EC project "Review of Historical Seismicity
in Europe" (RHISE) 1989-1993
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Introdução
O objectivo deste trabalho foi a aquisição de fontes para o
estudo da sismicidade histórica do Algarve na 1ª metade do
século XVIII.
Tendo-se partido do conhecimento da orgânica político-administrativa
e das estruturas eclesiásticas de Portugal, em geral, e do Algarve,
em particular, neste período, identificaram-se potenciais fontes tendo
sido feito, em seguida, o apuramento da documentação com mais
probabilidades de conter informação.
A investigação desenvolveu-se a nível central, com
prioridade para o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, embora se tenham feito
sondagens aos "Reservados" da Biblioteca Nacional de Lisboa e ao Arquivo
Histórico Militar também em Lisboa.
Consideraram-se prioritàriamente três sismos que, de acordo
com a informação disponível, parecem ter sido os mais
importantes que ocorreram no Algarve na 1ª metade do século XVIII:
1719, 6 de Março; 1722, 27 de Dezembro; 1724, 12-13 de Outubro.
A organização político-administrativa da 1ª
metade do século XVIII
Para se compreender toda a orgânica político-administrativa
deste período importa caracterizar em linhas gerais a
concepção política que lhe está subjacente. Esta
fase da monarquia absoluta, na qual se inclui o reinado de D. João
V (1689-1750), é marcada pela centralização (Macedo,
1971). Nas monarquias Peninsulares há um fenómeno de
multiplicação dos orgãos do aparelho central, numa tentativa
de reforçar o poder da Corôa. Dificuldades de ordem vária,
entre as quais se contam as distâncias, muito grandes em tempo de percurso,
a escassez de meios humanos e deficiências da própria rede
burocrática, fazem com que a articulação entre o poder
central e a administração periférica não se
faça convenientemente, garantindo à vida local uma relativa
autonomia. Para esta pesquisa, no que se refere às estruturas
politico-administrativas, importa identificar os orgãos do aparelho
central e os funcionários que faziam a ligação entre
a administração periférica e o correspondente poder
central. No quadro apresentado (Fig. 1) só são mencionados
os orgãos e os funcionários cujas atribuições
estão mais directamente relacionadas com a orientação
do presente estudo.
O Algarve na 1ª metade do século XVIII
Critérios e fontes
Nesta primeira metade do séc. XVIII, devido à
centralização política e à sua necessidade de
um conhecimento pormenorizado e rigoroso do território a governar,
aparecem numerosas obras corográficas. Obras que, em termos
genéricos obedecem a um padrão que corresponde às
necessidades de informação: nome da terra, com a sua história
desde as origens, número de vizinhos ou de fogos,
fortificações, igrejas, conventos, senhores da terra, algumas
vezes os funcionários administrativos, curiosidades, etc. Foram essas
corografias, especialmente a do P. Carvalho da Costa (1706-1712), a de D.
Luis Caetano de Lima (1734-36), a de António de Oliveira Freire (1755)
e a do Pe. João Baptista de Castro (1762-1763), que, tendo facultado
à Administração os dados de que precisava, serviram
como fontes para o estudo desta época.
A divisão administrativa e os centros administrativos
No que se refere à divisão administrativa encontram-se,
nessas obras, divergências que resultam da própria
indefinição das matrizes político-administrativas. O
Algarve é apresentado como uma das 6 Províncias de Portugal,
aparecendo algumas vezes com a designação de "Reino", em virtude
da sua individualidade política (Fig. 2).
Está dividido em Comarcas: para alguns autores, 2 (Lagos e Tavira)
(Freire, 1755), para outros, 3 (2 de Correição - Lagos e Tavira
e 1 de Ouvidoria - Faro) (Lima, 1734-36). As Comarcas, por sua vez, subdividem-se
em Cidades (Lagos, Tavira, Faro e Silves) e Vilas (Aljezur, Alvôr,
Odeseixe, Paderne, Sagres, Vila Nova de Portimão, Vila do Bispo,
Albufeira, Alcoutim, Cacela, Castro Marim e Loulé), com aldeias ou
lugares do têrmo, havendo nalgumas obras, indicação das
paróquias ou freguesias.
É difícil estabelecer um critério para definir a
importância de um centro administrativo, mas como neste caso o que
importa é determinar o seu possível contributo em termos de
produção documental, limitamo-nos a indicar a sua
situação nas diferentes áreas da administração:
civil, judicial, fiscal (Almoxarifado: divisão ou
circunscrição fiscal), militar e eclesiástica:
Faro - Capital da Província do Algarve; sede de Comarca (ouvidoria
de Faro), de Almoxarifado e de Bispado.
Lagos - Sede do Governo Militar, de Comarca e de Almoxarifado.
Tavira - Sede de Comarca e de Almoxarifado.
Silves - Sede de Almoxarifado e antiga sede de Bispado.
A administração local
Podem considerar-se a nível local várias áreas de
administração: a administração municipal, efectuada
por funcionários eleitos pelos concelhos na sua esfera de auto-governo;
a administração levada a cabo pelos funcionários do
poder central na administração periférica, da qual só
consideraremos a parte que se refere à administração
militar; e a administração eclesiástica.
A administração municipal
Os funcionários municipais eram eleitos pelo sistema de "pelouros",
entre indivíduos cujos nomes figuravam numa lista ou "Pauta". A
Câmara concelhia era composta pelos juízes ordinários,
também chamados Alvazis ou Alcaldes, que além das
funções da administração da justiça tinham
atribuições no domínio da manutenção da
ordem pública. O seu número variava de terra para terra, mas
havia sempre pelo menos dois, um para as causas cíveis e outro para
as criminais. No topo da hierarquia da vereação encontrava-se
o Presidente do Senado da Câmara, sob cuja presidência deliberava
a Câmara concelhia - são fontes muito importantes as Actas
Camarárias, os Livros das Vereações e os Livros de Receita
e Despesa des concelhos, por conterem informações sobre a vida
local. Na maioria das cidades e vilas o executivo camarário reduzia-se
a um pequeno número de oficiais, que variava em função
do tamanho da terra. Havia ainda os oficiais militares que comandavam as
companhias de ordenança (formadas com gente do concelho) e que eram
eleitos pelos oficiais da Câmara. Essas estruturas militares aparecem
sobretudo em pontos nevrálgicos da costa algarvia.
A administração militar. Governadores e Capitães-Generais
do Algarve
Não vamos ocupar-nos da administração militar propriamente
dita mas dos Governadores enquanto figuras que centralizavam toda a
organização defensiva, numa zona com particular importância
na defesa marítima do Reino e cujas populações costeiras
estavam, no dia a dia, sujeitas aos constantes ataques dos corsários
argelinos, e como tal responsáveis pela conservação
e operacionalidade das construções que possibilitavam essa
mesma defesa - as fortificações do litoral algarvio.
A partir da Restauração (1640) e nos anos subsequentes, os
governantes, como havia a recear um ataque da marinha espanhola dedicaram
particular atenção à construção e restauro
dos fortes de vários pontos da costa portuguesa, tendo tido especial
cuidado na protecção litoral do Algarve.
Sózinhos ou acompanhados por engenheiros militares, os Governadores
faziam frequentes visitas de inspecção às
fortificações, com os consequentes relatórios, acompanhados
por vezes de plantas, para o poder central. Esses relatórios eram
enviados ou para a Secretaria de Estado (que a partir da
restruturação de 1736 se passou a chamar Secretaria de Estado
dos Negócios Interiores do Reino, hoje núcleo Ministério
do Reino, do Arquivo Nacional da Torre do Tombo), ou para o Conselho de Guerra
ou para a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra.
A mesma via deviam seguir quaisquer outras comunicações dos
governadores com o poder central.
A sede do Governo militar era a cidade de Lagos. D. Luis Caetano de Lima
(1734-1736) ao tratar desta cidade e referindo-se aos Governadores do Algarve,
cita fontes existentes na Câmara e nos "Livros" da Misericórdia.
Os Governadores estavam em contacto com as populações locais,
providenciando em caso de desgraças que as atingissem. Como delegados
do poder central tiveram outras atribuições além das
especificamente militares, havendo alturas em que funcionaram como instrumentos
de controlo sobre a administração periférica. Mas, devido
aos frequentes atritos com os poderes locais, foram vendo a sua esfera de
acção cada vez mais circunscrita ao campo militar.
Relativamente aos Governadores do Algarve o primeiro problema que se levanta
é identificá-los, e o segundo é determinar o tempo dos
respectivos governos, de modo a cobrir todo o período cronológico,
sem falhas, de 1700 a 1750. Na Divisão de Reservados da Biblioteca
Nacional, encontrou-se a "Notícia dos Senhorez Governadorez deste
Reyno do Algarve proprietários e interinos do anno de 1701 a esta
parte [1745]" (Noticia, 1745), que para além de cobrir praticamente
todo o período a estudar, sem interrupções, oferece
garantias quanto aos dados que apresenta. Estão pois identificados
(Quadro 1) os Governadores de 1701 a 1745, sendo exclusivamente mencionados
os que ocuparam o cargo de 1719 a 1724, período no qual ocorreram
os sismos prioritàriamente considerados nesta
investigação.
|
|
O Bispo do Algarve, D. José Pereira de Lacerda |
6-1718 1-1720 |
O Sargento-mor de Batalha Belchior da Costa Correia Rebello |
1-1720 7-1721 |
O Conde de Unhão, D. Rodrigo Xavier Telles de Menezes Castro e Silveira |
7-1721 12-1734 |
A administração eclesiástica
Ao tratar da administração eclesiástica é importante
salientar que, no século XVIII, a Igreja aparece como uma importante
estrutura de poder e de mando ao lado da organização estatal:
"Não podemos esquecer, que a estrutura melhor organizada e verdadeiramente
controladora da sociedade era a eclesiástica. Pelos dízimos
e rendas conhecia a producão, dispunha do levantamento populacional
pelos róis de confessados e pelos registos de sacramentos e dominava
os comportamentos pela prática religiosa compulsiva e pelo Tribunal
do Santo Ofício" (Cruz Coelho e Romero Magalhães, 1986).
A organização administrativa da Igreja foi utilizada para espalhar
e obter as respostas a vários "inquéritos" do séc. XVIII
(Themudo Barata et al., 1988).
Estas características estruturais da administração
eclesiástica, fizeram com que durante a 1ª metade do séc.
XVIII, na falta ou ausência temporária de Governadores no Algarve,
o rei, que em virtude da centralização política não
dispunha de órgãos representativos a nível local, recorresse
várias vezes aos Bispos da Diocese para os substituírem,
transferindo o poder para estes altos dignitários. D. Simão
da Gama, D. António Pereira da Silva, D. José Pereira de Lacerda
e D. Inácio de Santa Teresa, Bispos do Algarve neste período,
foram encarregados, uma ou mais vezes, do Governo das Armas do Reino do Algarve.
Sempre em contacto com as populações locais providenciavam
em caso de cataclismo.
A sede do Bispado era em Faro, para onde tinha sido transferida de Silves,
a 29 de Outubro de 1539, pelo Papa Paulo III. Nesta época a Diocese
era designada habitualmente por Bispado do Algarve, e os seus Prelados eram
mais conhecidos por Bispos do Algarve do que de Faro.
Na 1ª metade do séc. XVIII foram responsáveis pela Diocese
(Quadro 2):
Bispos do Algarve |
|
D. Simão da Gama |
1685-1703 |
D. António Pereira da Silva |
|
D. José Pereira de Lacerda |
|
D. Inácio de Santa Teresa |
|
Para efeitos administrativos a Diocese ou Bispado dividia-se
em circunscrições territoriais - as paróquias -, com
Igreja própria, com uma população a ela adstrita (os
paroquianos ou "freguezes", como eram chamados no séc. XVIII), e um
sacerdote incumbido do cuidado das almas (a paróquia, unidade básica
da divisão eclesiástica, coincidia nas suas
delimitações com a freguesia, unidade básica da
divisão administrativa).
Os vários eclesiásticos que compunham uma igreja e as suas
colegiadas pertenciam ao clero secular. Além deste havia o clero regular,
pertencente a várias Ordens Religiosas. E ainda as Ordens
Religioso-Militares, cujos membros estavam ligados a um estatuto ou regra
e sob a protecção da Igreja.
A investigação no Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Condições e critérios
A investigação centrou-se no ANTT, escolha que se deve ao facto
deste ser o principal arquivo português, herdeiro do cartório
geral do Reino, sendo nele que se conserva a maior parte da
documentação do conjunto do aparelho de Estado, assim como
espólios documentais das mais diversas instituições,
e zonas do País.
Arquivo complexo reflecte na sua estrutura e organização as
diferentes atitudes em relação à documentação
antiga e ao passado nacional resultantes de políticas culturais diversas,
tendo o seu crescimento acompanhado as proprias modificações
institucionais do País. A sua situação de Arquivo Nacional,
a partir de 1823, acompanhado do alargamento do património nacional
documental, deu lugar a sucessivas incorporações, que tendo
sido feitas com diferentes critérios de classificação
arquivística, contribuíram para aumentar essa complexidade
estrutural.
Situação que se transpõe para a "Sala dos Indices",
e que a par de uma inventariação deficiente (Silva Marques,
1935), tem como consequência uma grande dificuldade de acesso à
documentação. Os autores do mais recente Roteiro do arquivo
(Serrão et al., 1984), feito no âmbito da recolha de fontes
para a História Portuguesa Contemporânea, ao fazerem um exame
crítico geral sobre a natureza dos inventários, retomam a
posição de Silva Marques (1935) no prefácio da obra
citada.
Enunciadas as condições em que decorreu a investigação,
passa-se à definição dos critérios que a orientaram.
Documentação proveniente da administração
civil
Relativamente à documentação proveniente da
administração civil, a estratégia foi a de definir
potenciais fontes traçando o circuito seguido pela
documentação da periferia para os orgãos do poder central,
tendo-se procedido, em seguida, à sua actual localização
arquivística.
Identificados os funcionários que faziam a ligação entre
a administração periférica nas suas diferentes áreas
- Militar, Justiça e Fazenda - e o correspondente aparelho central,
privilegiaram-se os "Governadores e Capitães Generais do Algarve"
por razões decorrentes das suas funções a nível
local. Os documentos emitidos pelos "Governadores e Capitães Generais
do Algarve" para o poder central, encontram-se hoje nos seguintes fundos
do ANTT, Lisboa:
Conselho de Guerra, 1640-1834. Contém parte da
documentação do Conselho de Guerra (criado em 11.12.1640)
e da antiga Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra
(criada em 28.7.1736), encontrando-se a restante no Arquivo Histórico
Militar. Este núcleo está dividido em 3 grupos com
numeração independente: Decretos; Livros de Registo; Consultas,
Avisos, Portarias, registo de patentes, mercês e correspondência
diplomática. Uma parte da documentação está
inventariada e os inventários impressos (Chaby, 1869; Santos, s.d.),
e a outra parte está totalmente por tratar, sendo as listas de remessa,
feitas na altura das incorporações, que funcionam como
índices (Inventários Nº 218, 219, 214, 221, 213). Na
impossibilidade de se consultar todo o espólio deste fundo, seguiram-se
as indicações dadas por Pereira Callixto (1990), e seleccionou-se
documentação do 3° grupo para a 1ª metade do século
XVIII:
série | período cronológico |
|
Avisos e Portarias | 1706-1750 |
4 |
1750-1754 |
5 |
|
Consultas | 1719, Janeiro - 1725, Dezembro |
78-84 |
Portarias, Ordens, Provisões, Carta-régias | 1641-1797 |
168 |
Ministério do Reino, sécs. XVIII- XIX. Com
documentação proveniente das antigas Secretaria de Estado
(reestruturada em 1643) e Secretaria das Mercês e Expediente (criada
em 1643), cujas funções foram assumidas pela Secretaria de
Estado dos Negócios Interiores do Reino (criada por Decreto de 28.7.1736).
A documentação, composta de livros e de documentos avulsos
reunidos em maços, não sofreu qualquer tratamento
arquivístico, encontrando-se nos depósitos ainda com a
organização original. Os maços de grande dimensão
não podem ser considerados unidades de instalação
arquivística e a sua inventariação é muito deficiente
(Inventário Nº 382 e Indices B. 626-630 e B. 631-633). Alguns
deles não têm também qualquer referenciação
cronológica.
Perante tal situação arquivística, e na falta da elementos
que permitissem uma escolha criteriosa, seguiram-se orientações
de Pereira Callixto (1979), que cita documentação com interesse
existente no maço 625, o qual faz parte de uma série composta
pelos maços 615 a 625, agrupados sob a rúbrica "Negócios
Militares". Seleccionaram-se também maços e livros utilizando
um criterio temático, isto é, atendendo à
designação que lhes foi dada nos inventários respectivos:
"Negócios do Algarve" (maços 607-608), "documentos relativos
à Casa de Unhão" (maço 642), etc.
As consultas efectuadas às diversas séries não conduziram
a qualquer informação sobre os sismos em estudo.
Documentação proveniente da administração
eclesiástica
A consulta à documentação eclesiástica justifica-se
por si mesma: as características estruturais da instituição,
o facto da Igreja cobrir uma rede geográfica muito extensa, a
situação do clero como classe letrada por excelência,
com o hábito do registo e com os meios para o fazer - com mais
possibilidades, portanto, de "documentar" qualquer sismo, mesmo ocorrências
cuja amplitude não tenha justificado a intervenção estatal.
Um outro aspecto a ter em conta é que a organização
administrativa da Igreja foi utilizada para espalhar e obter as respostas
a vários "inquéritos" do século XVIII, incluindo um
especificamente sismológico, a seguir ao Terramoto de 1755: o
Inquérito Paroquial de 1756, mais conhecido por "Inquérito
do Marquês de Pombal", que tendo partido da Secretaria de Estado dos
Negócios Estrangeiros e da Guerra, onde ao tempo se encontrava
Sebastião José de Carvalho e Mello (mais tarde Marquês
de Pombal), seguiu a via da organização eclesiástica,
o que certamente não teria acontecido se o Estado dispusesse de estruturas
equiparáveis.
A documentação resultante da administração
eclesiástica, que quanto à sua proveniência se pode
classificar em diocesana, conventual e paroquial, está dispersa por
arquivos centrais e locais, sendo de difícil localização.
A respeito dos arquivos eclesiásticos, citam-se dois artigos, um de
Carl Erdman (1927) e outro de Avelino de Jesus da Costa (1980), nos quais
se denuncia o modo como foram efectuadas algumas incorporações
em arquivos públicos. Neste último, dá-se uma
panorâmica geral, apresentando a seriação dos arquivos
eclesiásticos, caracterizando genericamente os fundos respectivos,
bem como a trajectória e destino das incorporações
registadas e expondo a sua situação orgânico-institucional.
Enumera também os arquivos que permanecem na dependência da
Igreja (Pereira, 1982). Também sobre este tema tem Alberto Iria (1946)
uma comunicação apresentada ao Instituto Português de
Arqueologia, História e Etnografia.
Quanto ao critério utilizado, os dados disponíveis no início
da pesquisa, provenientes da recolha efectuada no âmbito da revisão
do Catálogo Sísmico
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maço/caixa |
|
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Cartório dos Jesuítas e "Armário Jesuitico" |
m. 100 n° 2 | 1682 | Lagôa |
n° 6 | 1664 - XVIII | V.N. Portimão | |
n° 7 | 1664 - 1759 | V.N. Portimão | |
m. 104 n° 4 | 1719 - 1759 | V.N. Portimão | |
Corporações Religiosas, "Conventos diversos", Conventos e Mosteiros do Algarve: |
|||
- Mosteiros de Nª Srª da Assunção |
cx. 1519 |
1715-1803 | Faro |
- Conv. de S.to Antonio |
cx. 1520 |
1718-1729 | Faro |
- Conv. de S. Francisco |
cx. 1521 |
1ª met. XVIII | Faro |
- Conv. de Nª Srª da Ajuda |
cx. 4310 |
1439-1766 | Tavira |
- Conv. de S. Francisco |
cx. 4311 |
2ª met. XVIII | Tavira |
Nacional e publicada pelo G.P.S.N. (Themudo Barata et al., 1989) sugeriram
pistas e ditaram a selecção a fazer nalguns fundos.
No que respeita à documentação conventual, identificaram-se
as Ordens Religiosas e seus conventos no Algarve, tendo sido feito o levantamento
de tudo o que neste Arquivo se encontra inventariado e agrupado sob o nome
dos respectivos conventos (Quadro 4), não tendo sido considerados
os documentos que se possam encontrar em fundos de outras Casas da Ordem
ou nas sedes das Congregações.
Fizeram-se sondagens ao "Cartório dos Jesuítas", pois a Campanhia
de Jesus possuía um Colégio em Faro - Colégio de Santiago
Maior - e outro em Vila Nova de Portimão - Colégio de S.Francisco
Xavier. Um "Livro de Receita e Despesa" (ANTT, 1719-1759) deste último
forneceu dados que permitem confirmar notícias da "Gazeta de Lisboa"
(1719 e 1723a) referentes aos efeitos dos sismos de Março 1719 e de
Dezembro 1722 no supracitado Colégio de Vila Nova de Portimão.
A "Gazeta de Lisboa" (1719) ao noticiar o sismo de 6 Março 1719 refere
que:
"Uma Cruz de pedra que servia de remate ao frontespicio da Igreja do
Colégio dos Padres da Companhia [em Vila Nova da Portimão],
estalou pouco acima do encache, sendo de grossura da hombreira de qualquer
janela grande, a abobada da mesma Jgreja ficou com duas fendas; a torre dos
sinos da matriz abriu por duas partes, as columnas della que têm duas
braças de grosso, forcejarão de maneira com os movimentos da
terra, que algumas arrebentarão lascas nas extremidades".
Aparecem despesas com a Cruz do frontispício no "Livro de Receita
e Despesa" (ANTT, 1719-1759):
fol. 80:
Despeza da Capella e Legado. Novembro de 719
Despeza com a Cruz do frontispio [sic] da Igreja por se pintar 2.400
Despeza com páo da Cruz 0820
Despeza com o feitio da Cruz 3 dias hum carpenteyro (...) 0600
fol. 81vº:
Julho de 721
Despeza com hum pedreyro no acento da Cruz do frontispio [sic] 4 dias.
A mesma "Gazeta de Lisboa" (1723a, b) ao referir-se aos efeitos do sismo
de 27 de Dezembro 1722 em Vila Nova da Portimão, no Colégio
dos Jesuítas, diz que "se abrirão algumas fendas na abobada
da Igreja do Colégio, estallando algumas pedras das tribunas e
portas". No "Livro de Receita e Despesa", fol. 82 (ANTT, 1719-1759),
regista-se o seguinte:
Dezembro de 722
Despeza com 2 ferros pedreyros [ferros para unir as cantarias rachadas
ou partidas] na porta principal da Igreja.
Localizaram-se as terras e igrejas das Ordens Religioso-Militares com
implantação no Algarve - Santiago e Avis. É importante
a documentação dos respectivos cartórios. Fontes a ter
em conta são também as "Crónicas" das diversas Ordens
Religiosas. A "Chronica Serafica da Santa Provincia dos Algarves" (Belém,
1750, cap. XXII, pp. 200-201) descreve em pormenor os efeitos do sismo de
27 de Dezembro de 1722 no Convento de S. Francisco de Tavira, referindo ainda
que "na mesma hora em que sucedeo no Algarve, fez impressão neste
Convento de Xabregas [Lisboa], abalando a cama de hum Religioso que nella
se achava recostado, e fazendo soar per si o sino do nosso Relógio".
Diz também o cronista que, passados alguns dias, se fez uma
procissão de acção de graças na cidade de Tavira,
a qual passou a repetir-se todos os anos no mesmo dia 27 de Dezembro, com
a assistência do Senado, Comunidades e grande concurso do povo, "para
memoria de hum tão grande beneficio, que supposta a grande perda que
houve, pudera ficar submergida aquella cidade".
Na documentação dos Cartórios Paroquiais (Quadro 5)
consideraram-se os Livros de Registos Paroquiais do Distrito de Faro - baptizados
e óbitos - para períodos e áreas previamente definidas;
e a colecção "Confrarias, Irmandades, Mordomias", com
documentação proveniente da vida religiosa das paróquias,
da qual se destacam pela eventual informação que podem conter
para este trabalho: os Livros das Visitas pastorais; os Livros do Tombo da
igreja; os Livros da fábrica da igreja ou Livros de Receita e Despesa
da fábrica da igreja, que eram os seus livros de contabilidade; e
os livros que provêm especificamente das Confrarias e Irmandades -
Livros da Receita e Despesa, dos foros, dos legados, de Compromisso e
obrigação de missas.
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Cartórios Paroquiais, Registos Paroquiais, Distrito de Faro. Com livros de registos paroquiais (baptizados, casamentos e óbitos) de 66 freguesias do Distrito de Faro. |
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Cartórios Paroquiais, "Confrarias, Irmandades, Mordomias"
(documentação referente ao Algarve). Com documentação proveniente da administração e regulamentação da vida religiosa das paróquias. |
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A documentação desta colecção está
integralmente inventariada, existindo um inventário impresso da autoria
de Natália Nunes (1976). O critério utilizado -
ordenação dos maços por ordem alfabética dos
nomes das circunscrições eclesiásticas a que respeitam
e, dentro de cada rúbrica toponímica, indicação
dos livros ou documentos por ordem alfabética da primeira palavra
do título e por ordem cronológica ascendente - possibilitou
a selecção de toda a documentação referente ao
Algarve que se encontrava dentro das balizas cronológicas desta
investigação.
Revelaram-se fontes importantes os chamados "Livros de Receita e Despesa"
ou de "Gastas e Merecidos" de Igrejas e Confrarias do Algarve. A
informação que nelos se colheu - despesas em obras na altura
em que ocorreram alguns dos sismos a estudar na 1ª metade do séc.
XVIII - pode tornar possível, através do confronto com dados
de outras fontes, a avaliação dos danos, nos edifícios
aos quais esses livros se referem.
Como já se disse anteriormente, o critério usado na
selecção documental não foi sempre o mesmo. Nos "Registos
Paroquiais", por exemplo, a investigação processou-se do seguinte
modo: para o Distrito de Faro, existem no ANTT, livros de registo de baptizados,
casamentos e óbitos de 66 freguesias, agrupadas nos seguintes concelhos:
Albufeira, Alcoutim, Aljezur, Alportel, Castro Marim, Faro, Lagôa,
Lagos, Loulé, Monchique, Olhão, Portimão, Silves, Tavira,
Vila do Bispo, Vila Real de Sto. António (Fig. 3). A
documentação está toda inventariada, sendo o livro Nº
538 o inventário referente a esse Distrito.
Na impossibilidade de se consultarem todos os livros, para o período
de 1700-1750, seleccionaram-se os Livros de baptizados e de óbitos
com datas correspondentes à ocorrência dos sismos de 1719, 1722
e 1724, de áreas (concelho e respectivas freguesias - enunciados na
Fig. 4) para as quais outras
fontes, como, por exemplo, a "Gazeta de Lisboa" (1719, 1723a e b), tivessem
registado danos materiais ou humanos.
Foram consultados 53 Livros de Registos Paroquiais (baptizados e óbitos)
de 27 freguesias do Distrito de Faro, referenciados na Fig. 4 por meio de
uma barra horizontal, cuja extensão corresponde ao período
cronológico abrangido pelo livro, não se tendo encontrado qualquer
menção aos sismos em estudo, ainda que se tenham efectuado
baptizados ou se tenham registado óbitos nessas datas, como se pode
verificar na mesma Fig. 4. Nos livros de óbitos também não
aparece qualquer indicação que permita concluir que foram causados
pelos sismos.
No entanto, anotaram-se todos os dados que poderiam ter interesse. Relativamente
aos óbitos, os que ocorreram nos dias dos sismos e nos subsequentes,
e se os enterramentos se fizeram na Igreja, o que pode querer dizer que esta
pouco sofreu com o abalo. Quanto aos baptizados, os que se efectuaram antes
do sismos e os que se fizeram no próprio dia da ocorrência,
e se a celebração foi solene ou normal.
Há que ter em conta também os dias da semana e a hora a que
se verificaram os tremores. Mas, a informação indirecta contida
nestes registos é de difícil interpretação, só
podendo adquirir o seu verdadeiro significado em confronto com outros dados.
No ANTT não se encontram todos os Livros de Registos Paroquiais do
Distrito de Faro, o que dificulta as conclusões.
Através dos livros consultados constatou-se que o Bispo do Algarve,
D. José Pereira de Lacerda, se encontrava em visita pastoral à
sua Diocese quando ocorreu o sismo de 6 de Março de 1719. Acumulando
as funções de Bispo com as de Governador e Capitaõ-General
do Reino do Algarve, cargo que exerceu de 27 de Junho de 1718 a Janeiro de
1720, pôde informar-se "in loco" das necessidades das
populações e dos danos sofridos, podendo intervir junto do
poder central para que fossem reparados. De acordo com o seu cargo deveria
também "avisar" as entidades competentes no caso de ter havido ruína
em construções com importância estratégica.
Conclusões
Nesta fase da pesquisa é prematuro tirar conclusões. Relativamente
à documentação proveniente da administração
civil, as dificuldades de localização arquivistica e de consulta
devido à deficiente inventariação, assim como as lacunas
documentais, não permitiram, por enquanto, chegar a resultados. No
entanto, confirmou-se a importância dos núcleos definidos.
Também é preciso ter em consideração que as
características da organização do Estado na 1ª
metade do séc. XVIII - "rede burocrática pouco densa (pouco
coesa e mal articulada) e distâncias enormes (em tempo de percurso)"
(Coelho e Magalhães, 1986), que se traduzem, na pratica, num deficiente
enquadramento político-administrativo da periferia - devem ter tido
reflexos na situação documental desta área da
administração.
As sondagens revelaram-se mais proveitosas na documentação
proveniente da administração eclesiástica, o que está
de acordo com as observações feitas a respeito da importância
das instituições da Igreja, em Portugal, nesta época.
Embora não se tenha encontrado também nenhuma referência
directa aos sismos a estudar, a informação colhida possibilitou
a confrontação de dados, o que permitiu confirmar notícias
doutras fontes.
Referências
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documentação dos séculos XVII e XVIII. II - Apêndice
documental. GPSN, Lisboa.
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